Páginas do Portimão Sempre

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

A epopeia da sardinha. (Reportagem do CM com Portimão como cenário de fundo)


Maior parte das sardinhas que comemos tem entre ano e meio a dois anos

Estamos no sexto ano de diminuição de reposição dos stocks deste peixe que fica mais gordo no final do Verão.

A traineira ‘Arrifana' abandona o porto de Portimão e para trás ficam as praias repletas de corpos bronzeados que usufruem em pleno do Agosto algarvio. Uma imagem de Nossa Senhora de Fátima e o emblema do Benfica protegem a faina que começa às 18h00 e que arrasta consigo a mesma esperança dia após dia: a de encontrar sardinha no mar.

Para os doze homens que estão a bordo do barco, este é apenas mais um entre tantos dias no trabalho que tão bem conhecem. O mestre Joaquim Dias aponta o barco, de 22 metros, em direcção a Sotavento, no sentido de Albufeira. A ondulação tem um metro e o vento incomoda os menos habituados a esta vida feita de mar. Não demora muito até a sonda ser ligada, para ajudar a detectar os cardumes.

"Hoje não se encontra nada", desabafa o mestre, 60 anos de vida e experiência de sobra na faina, depois de horas a olhar para o ecrã. Dito e feito. O barco regressa vazio, por volta das 23h00, ao porto. Mas por pouco tempo. Às 02h00 a traineira volta a sulcar as águas, desta feita para Barlavento, rumo a Lagos. Hora e meia depois, ao largo da praia da Luz, o mestre aponta para o ecrã: "Está a ver... há peixe aqui."

SARDINHA EUROPEIA

A espécie que vive na costa portuguesa dá pelo nome científico de sardina pilchardus. Vive numa área alargada, que vai desde a costa da Mauritânia, em África, até ao mar do Norte, entre as ilhas Britânicas e a Escandinávia. Também vive no Mediterrâneo, mas é na linha de costa que vai desde o norte de Marrocos ao golfo de Biscaia, na costa Atlântica de França, que existem os maiores stocks.

Os movimentos migratórios não são bem conhecidos - porque estes pequenos peixes são muito difíceis de marcar -, mas estima-se que os cardumes circulem ao longo de toda a costa portuguesa. "As sardinhas procuram zonas de afloramento da costa, em que há correntes de água fria que vêm das profundezas até à superfície, o que propicia a criação de plâncton (algas microscópicas) que são o seu principal alimento", explica Jorge Ré, investigador do Instituto do Mar. As zonas entre a Figueira da Foz e Aveiro, os estuários do Tejo e do Sado e o golfo de Cádis (em Espanha) são pontos conhecidos de maior concentração de sardinha.

Jorge Ré integra uma equipa de investigadores que está a fazer reprodução de sardinhas em cativeiro, usando as instalações do Oceanário de Lisboa. "O objectivo é tentarmos perceber melhor quais são os factores que condicionam a sobrevivência e crescimento das larvas e dos juvenis, que é um mecanismo muito complexo e ainda mal compreendido".

"A maior parte das sardinhas que comemos tem entre ano e meio a dois anos", explica o biólogo Henrique Cabral, da Universidade de Lisboa. Há diferenças entre os peixes que vivem a norte e os da costa sul do País. "Normalmente, a sardinha das regiões Centro e Norte é mais gorda. Isto acontece porque as águas mais frias produzem mais alimento para as sardinhas", diz o mesmo investigador.

Alexandra Silva é, porventura, a maior especialista portuguesa em sardinha. A investigadora do IPIMAR - Instituto de Investigação das Pescas e do Mar acrescenta que há sardinhas que podem viver "até um máximo de 8 a 9 anos, mas é raro encontrar-se peixes com esta idade". Os grandes cardumes são um festim para quem gosta de as provar à saída da grelha, mas não faltam nos oceanos quem as aprecie ao natural. Golfinhos, tubarões, pescadas e vários outros peixes de maior porte fazem da sardinha um dos principais ingredientes da sua dieta. "As sardinhas são um peixe de forragem, ou seja, os grandes cardumes alimentam espécimes maiores e são um elo fulcral da cadeia alimentar."

A sardinha come-se sobretudo no Verão, e há razões naturais para que isso aconteça. Aquela gordura que pinga para a fatia de pão é resultado do ciclo de vida deste peixe. "As sardinhas têm um ciclo reprodutivo muito longo, que vai desde Outubro até Abril. Durante este período, os peixes têm menos gordura. A partir do final da Primavera os peixes ganham gordura para preparar a nova época de reprodução e é por isso que, à medida que o Verão avança, as sardinhas ficam mais gordas."

ANOS DOLOROSOS

Para os pescadores que se dedicam à pesca da sardinha, os últimos anos têm sido dolorosos.

"É relativamente normal que haja um período de cinco anos em que se verifique um abaixamento na reposição dos stocks de sardinha. O que costuma ser compensado com um ano muito acima da média. Mas vamos já no sexto ano consecutivo de diminuição da capacidade reprodutora das sardinhas e as perspectivas não são boas." Quem o diz é Humberto Jorge, presidente da Associação Nacional das Organizações de Produtores da Pesca do Cerco, que junta a maioria dos profissionais da pesca da sardinha.

Em 2010, a sardinha portuguesa passou a ser certificada com o selo da MCS, organismo internacional que garante a qualidade do peixe e a sustentabilidade das pescas. Mas esta certificação foi suspensa em Janeiro. "As inspecções que se fizeram no final do ano mostraram que os índices de biomassa desovante estavam abaixo do necessário para garantir a manutenção dos stocks. O que quer dizer que a escassez de ovos e de juvenis poderiam comprometer a renovação das populações", explica Humberto Jorge.

Alarmados com a escassez de peixe, os pescadores portugueses decidiram eles próprios limitar a sua actividade. Há um plano de gestão, que tem sido alvo de rectificações motivadas pelas condições do mar. "Desde 2010 que impusemos a nós próprios quotas máximas de pesca. Este ano foi decretado um período de 45 dias de interdição da pesca. Em Março, nenhum barco saiu para o mar. Estamos conscientes de que há menos sardinhas e, apesar de as causas serem naturais e de a pesca não ser responsável pela redução dos stocks, também não queremos contribuir para o agravar da situação."

Se este ano a sardinha está mais cara - "nalguns casos os preços mais que triplicaram, havendo lotas em que a sardinha é vendida acima dos dois euros por quilo" - e os santos populares se fizeram com recurso a sardinha congelada, Humberto Jorge garante que há peixe fresco suficiente para que não faltem sardinhas à mesa até ao final do Verão. O dirigente espera que o Outono e o Inverno tragam melhorias: "Espero que consigamos recuperar rapidamente a certificação. Há muitos armadores e pescadores a passar dificuldades e nós limitámos a pesca de cerco sem apoios nem subsídios do Governo."

Ainda assim, "apesar de não haver muita, a sardinha tem tido qualidade e alcançado um bom preço", explica Francisco Matias, pescador da traineira ‘Arrifana', de 52 anos. Telmo Gil, 43, maquinista, acrescenta: "Ganha-se algum dinheiro, mas temos de trabalhar muitas horas." Como que a provar o desabafo, a sirene da traineira apita e os pescadores tomam as suas posições. A chata, que era rebocada, ganha vida própria, transportando um cabo da rede de 500 metros para cercar o cardume.

A bordo, o trabalho é intenso. A rede é por fim puxada, com a ajuda de máquinas hidráulicas, mas a promessa de um boa pescaria perde-se. A rede rompe-se e grande parte do peixe foge. Covos para a captura de polvo, não assinalados, terão causado os estragos - um deles é içado pela rede e lá dentro estão caranguejos vivos, um isco proibido.

Só volta a ser lançada ao nascer do sol. Desta vez há peixe, mas junto com as sardinhas vêm carapaus pequenos. Os barcos só podem capturar até 10% de pescado imaturo e para cumprir as regras boa parte é libertado.

VARIAM DE ANO PARA ANO

Quando chega ao prato, a pergunta impõe-se. Por que é que a sardinha está gorda mais cedo nuns anos do que noutros? E ainda, por que é que há anos com abundância de sardinha e outros em que esta rareia? Eis duas questões que todos os apreciadores colocam, mas para as quais ainda não há respostas seguras. Há décadas que investigadores têm tentado perceber o que faz variar o tamanho dos cardumes e dos peixes, mas as respostas são complexas e, sobretudo, variáveis.

Alexandra Silva aponta algumas pistas para o mistério. "A questão de as sardinhas variarem tanto de um ano para o outro não é de agora. Aliás, pensa-se que sempre se registaram estas alterações. A reprodução das sardinhas depende de uma série de factores que não são constantes - as correntes oceânicas, o clima atmosférico e o movimento dos anticiclones no Atlântico ou a quantidade e qualidade do plâncton que existe no mar".

Assim, de um ano para o outro as condições que podem ou não favorecer a sobrevivência e crescimento dos juvenis nunca são as mesmas. Mas é certo que o cenário tem piorado. "Nos últimos anos tem-se verificado um decréscimo do stock de sardinhas na costa portuguesa. É uma situação que já aconteceu no passado. Pode acontecer que no próximo ano haja um recrutamento (nascimentos) de tal forma elevado que compense estas quebras, mas como os ovos são deixados à deriva nos oceanos nunca sabemos o que pode acontecer", explica Alexandra Silva, que frisa que "o decréscimo das populações de sardinha deve-se a fenómenos naturais e, no caso português, não está relacionado com a pesca".

Trabalho não faltou nesta saída da traineira ‘Arrifana', mas os resultados foram fracos. Na lota deram entrada 700 quilos de sardinha e carapau, que renderem menos de quatro euros o quilo. "Não correu nada bem", desabafa o mestre.

Do preço, neste caso do valor praticado em lota, queixa-se por sua vez Mário Macário, comerciante de peixe que teve a seu cargo o abastecimento do Festival da Sardinha, que decorreu em Portimão entre 3 e 11 de Agosto e recebeu 35 mil visitantes, muitos deles estrangeiros. "Fiz um contrato para vender a sardinha a 4,30 euros, mas tenho de comprá-la a valores mais altos, entre 5 e 9 euros. Este ano perco entre sete e oito mil euros", lamenta o empresário, que colocou no festival mais de três toneladas de sardinha. À margem da polémica, António Francisco, emigrante na Alemanha, delicia-se com um prato cheio. "Na Alemanha compro sardinha congelada para matar saudades. Mas não é a mesma coisa."

A GRANDE CORRIDA DAS SARDINHAS

Nos diferentes continentes, chama-se sardinhas a espécies aparentadas da nossa sardina pilchardus. Em comum têm todas o facto de serem pequenos peixes que vivem em grandes cardumes, em zonas próximas da costa. Sabe-se que as sardinhas são espécies migradoras, mas não se conhece fenómeno parecido ao que ocorre na costa da África do Sul.

Anualmente, cerca de 5 mil milhões de sardinhas (sardinops sagax) migram desde o banco de Agulhas para toda a costa. Formam cardumes que podem atingir 7 km de comprimento, 1,5 km de largura e 30 metros de profundidade. Não são conhecidas as razões de um fenómeno que alimenta todo o tipo de predadores.

Operadores de turismo desenvolveram técnicas para localizar onde acontece o ‘evento': a busca começa ao amanhecer, com um avião que sobrevoa o mar observando a actividade dos pássaros ou enormes manchas negras dos cardumes de sardinhas na água.

NOTAS

TAMANHO

Sardinha capturada no Algarve é mais pequena do que a capturada no Atlântico, mais a norte.

CAPTURAS

Em 2011 capturámos, no continente, 39 786,4 toneladas, menos 12% face ao ano anterior.

VARIÁVEIS

Correntes, clima, movimento dos anticiclones ou quantidade e qualidade de plâncton influenciam reprodução.

Fonte: Correio da Manhã

2 comentários:

  1. só faço um comentário relativo à epopeia da sardinha que depende das VARIÁVEIS: Correntes, clima, movimento dos anticiclones ou quantidade e qualidade de plâncton influenciam reprodução. Comentário: Os especialistas na matéria sabem disso, mas ninguém diz (nem aponta) o que o(s) home(s) fez(eram) que veio alterar (diminuindo e reduzindo a zero) a quantidade e a qualidade de plâncton que a sardinha necessita para a reprodução... disso ninguém fala, parece que é "tabu". Ficará melhor dizer que a culpa é do anticiclone...

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  2. parem a pesca nos mes kue a sardinhas estao ovadas novembro dezembro janeiro

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