Páginas do Portimão Sempre

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Jornal Público - A segunda vida de Portimão - Um excelente artigo sobre Portimão




Uma cidade que vivia na sombra dos vizinhos está à procura de um lugar debaixo do foco. Nos últimos anos, angariou uma mão-cheia de trunfos para tentar conquistar uma nova importância regional. É um crescimento que não se faz sem dores e que perderá dentro de dois anos o seu estratega.

Calaram-se as sirenes das fábricas, as traineiras desapareceram - a vida mudou em Portimão. Um pescador reformado pergunta: "Já conhece o museu?" Paulino Marques, 79 anos, gorro na cabeça, percorre a zona ribeirinha dando os "bons dias". "Pertenço ao Clube dos Amigos do Museu. Ofereci ao museu os arpões com que apanhava golfinhos." As recordações da comunidade piscatória, boas e más, projectam-se no interior desta antiga fábrica de conservas transformada em museu de sucesso, distinguido com o prémio "Museu Conselho da Europa 2010", o que significa que no ano passado foi considerado um dos melhores deste continente.

Nem todo o passado de Portimão se guardou no museu, e nem tudo o que é presente é tão bom que mereça ser exposto. Décadas marcadas pela destruição das vivendas (chalés) da praia da Rocha permitiram dar lugar a torres e mais torres de apartamentos. Há mais caos urbanístico por aqui, à imagem do muito mau que se fez no Algarve, uma região que, para o reitor da universidade pública do Algarve, João Guerreiro, é "um arquipélago" de centros urbanos "de pequena dimensão, dispersos, e sem muita coerência entre eles, e sob a liderança de Faro, capital algarvia e centro regional".

Porém, Faro é como o seu presidente da câmara, Macário Correia (PSD): divide opiniões, está na ribalta sem nunca estar em foco. Porque o concelho rico do Algarve é Loulé. E a terra que está nas bocas do mundo é, muitas vezes, Portimão.

Pôr a capital fora-de-jogo

É tal a popularidade de Manuel da Luz, o socialista que lidera os destinos desta terra - conhecida pelas sardinhas, por ser o berço de Manuel Teixeira Gomes, sétimo presidente da I República, pelo seu autódromo internacional, pelo seu clube de futebol na I Liga, pela beleza natural da ria de Alvor, pelo museu premiado na Europa e pelo seu novíssimo teatro -, que está a ser empurrado para outros voos pelo Partido Socialista e pelos seus amigos. Com tantos "trunfos", será que Portimão põe Faro fora-de-jogo?

O semanário Barlavento é um dos jornais de referência na região, sobretudo nos temas de política, ambiente e cultura, e tem sede em Portimão. Foi distinguido com o prémio Gazeta da Imprensa Regional em 2006, atribuído pelo Clube de Jornalistas. O jornal tem um quadro redactorial com cinco jornalistas, reclama para si o estatuto de periódico mais lido na região e foi fundado há mais de três décadas por Hélder Nunes, seu director desde então, que considera Portimão "estratégica" em termos de turismo e dos negócios. A construção do Autódromo Internacional do Algarve, diz, "veio dinamizar o ramo das tecnologias avançadas do mundo automóvel". O que falta, quando a compara com Faro, é a vertente universitária. "Um pólo universitário com capacidade para gerar massa crítica. Apesar de ter o Instituto Manuel Teixeira Gomes [da Universidade Lusófona, privada] com cerca de 1000 alunos, a Universidade do Algarve precisa de lançar aqui o seu pólo, como tem previsto", defende.

O jornal mais antigo da região, O Algarve, tem 103 anos. Porém, publica-se a partir de Faro. Este semanário foi comprado em 2008 pelo Grupo Lena - empresa detentora de outros títulos regionais. Tem seis jornalistas e uma directora interina, Pedra Luz, para quem "Portimão consegue ter mais protagonismo do que Faro, por via da realização de grandes eventos".

Neste quadro, duas figuras saltaram para a ribalta: Manuel da Luz, à frente do município de Portimão, e Macário Correia a mandar na câmara de Faro. Dois políticos de partidos diferentes - o primeiro do PS, o segundo do PSD -, com carreiras políticas distintas que só se cruzam na geografia. Um e outro estão a braços com dívidas municipais enormes e parecem lutar taco a taco pelo protagonismo político local. No futuro, se Manuel da Luz ceder às vontades alheias que o querem ver numa candidatura a Faro, voltarão a cruzar-se como adversários directos, caso Macário se recandidate na actual capital algarvia - uma eventual disputa que se desenha como provável, mas que terá de esperar pelas próximas eleições autárquicas, em 2013. Até lá, estarão os dois a preparar terreno: Manuel da Luz a tentar mostrar todos os trunfos de Portimão, e Macário Correia como rei do Algarve, por presidir à capital de distrito.A importância dos amigos

A região que existe na geografia - mas não do ponto de vista político - só terá futuro se Faro tiver a capacidade de ultrapassar as fronteiras que o municipalismo fixou. "Na reestruturação que houver da revisão administrativa, os concelhos do Algarve central - Faro, Loulé, São Brás de Alportel e Olhão, devem fundir-se num único." A opinião é de João Guerreiro, geógrafo e reitor da Universidade do Algarve, para quem o debate político mais importante é a criação de uma rede de transportes que unisse todas as cidades do distrito. A título de exemplo, põe a hipótese de um desempregado de Tavira que arranje emprego em Loulé e que "não poderá aceitar se não dispuser de viatura própria".

Questionado sobre se Portimão poderia alguma vez disputar o estatuto de liderança regional que cabe a Faro, o reitor responde: "Não creio." A prova disso, sublinha, é o facto de o nome de Manuel da Luz ser falado para a próxima corrida à liderança do município de Faro, o que, de algum modo, atesta a "importância, insubstituível" que a capital de distrito tem no contexto regional.

Macário Correia é o autarca com mais protagonismo na região, o que nem sempre deixa os seus homólogos satisfeitos. Em Portimão, Manuel da Luz, de perfil mais discreto, estabeleceu relações privilegiadas com o governo de José Sócrates. A construção do Autódromo Internacional do Algarve, há dois anos - quando o estádio de Faro e Loulé já era considerado um "fardo" para as respectivas câmaras -, é apenas um exemplo das "parcerias estratégicas" que desenvolveu com os Governos de Sócrates.

O protagonismo alcançado fez crescer a ideia no PS-Algarve de que Manuel da Luz poderá ser o candidato, em próximas eleições, à câmara de Faro. Macário Correia não comenta cenários autárquicos. Prefere sublinhar que não está "preocupado com o protagonismo", destacando ao mesmo tempo que existe "um bom entendimento" entre os autarcas que formam o círculo do chamado Algarve central, onde vivem mais de 200 mil pessoas, metade da população total da região.

A eventual disputa entre cidades parece, portanto, enterrada ou, a prazo, substituída por uma disputa entre políticos e candidatos autárquicos - que não ofusca a projecção de Portimão em direcção a novos rumos. No domínio ambiental, cultural e de negócios, Portimão tem vindo a sair da penumbra, libertando-se dos protagonistas que lhe faziam sombra. Isso tem um custo, frisa a oposição "laranja" local, que fez contas e concluiu que a câmara teve de se endividar de tal maneira que o serviço da dívida custa "5138 euros por minuto".

Voltamos ao museu, inaugurado há dois anos. Custou cerca de 12 milhões de euros. O dinheiro poderia ter ido para mais um estádio de futebol, mas desta vez a opção foi a cultura. E valeu a pena. Ao atingir uma média de 100 mil visitantes/ano, o espaço transformou-se num dos principais pólos de atracção turística da região.

"Portimão era uma cidade de passagem", alega o director do museu, José Gameiro, sublinhando a importância de um lugar onde se concentram as memórias e os objectos resgatados do lixo da era industrial. "As agências de viagens chegavam com os clientes a Portimão, davam meia volta e partiam de autocarro para Sagres ou Silves." As sardinhas assadas deram popularidade à terra de Manuel Teixeira Gomes, mas foi o investimento na cultura e na animação turística que lhe conferiu notoriedade e projecção mediática.De acordo com um estudo elaborado pela equipa do Plano Estratégico de Marketing Territorial de Portimão, o número de turistas acolhidos pela hotelaria tradicional e pela oferta de camas paralelas atinge 868 mil por ano, cerca de 19 vezes a população residente no concelho.

Portimão chegou a ter 32 fábricas de conservas. O museu mostra a identidade de uma comunidade piscatória que esteve à beira de desaparecer, a partir do momento em que embarcou no turismo de massas.

O acervo e as colecções, diz José Gameiro, "são essencialmente provenientes de particulares". O envolvimento da população no projecto, acrescenta, permite ter uma janela permanentemente aberta sobre a realidade social de uma cidade em que o mar surge como destino e desafio permanente, tendo agora no horizonte o turista que vem nos cruzeiros ou chega de iate à marina da praia da Rocha.

Manuel Rosa, antigo industrial de bebidas, recorda a época em que tocavam as sirenes das fábricas. " O apito anunciava a chegada das traineiras e o chamamento de pessoal para o trabalho." O crescimento do sector turístico "absorveu a mão-de-obra disponível, e tudo mudou rapidamente". Multiplicaram-se os restaurantes e cafés, ocupando as velhas mercearias e tabernas - virou-se uma página na história, e os reflexos estenderam-se ao comércio local. Em Portimão, recorda, havia a Sociedade Refrigerantes Portimonense Ldª, de que foi sócio, e uma outra unidade que fabricava a laranjada Foia. A particularidade desta bebida, em termos de marketing, estava no berlinde de vidro (o pirolito), que servia de válvula. As multinacionais ditaram o gosto por outros sabores e a laranjada perdeu-se numa região que é grande produtora de citrinos. Situação idêntica verificou-se com os frutos secos - figo, amêndoa, alfarroba foram desaparecendo, "já para não falar nas pescas", enfatiza. Em vez dos galeões e traineiras carregadas de peixe, chegam agora ao porto de cruzeiros turistas aos milhares - 33.843 visitantes em 2010. Para este ano, a estimativa aponta para um aumento de 59 por cento, atingindo os 53.725 passageiros. O ferry-boat "Volcán de Tuarafe" liga regularmente Portimão, Funchal e Canárias.

Titanic a dar música

Os turistas, nesta altura do ano, chegam quase a conta-gotas - à excepção dos que vêm em excursões organizadas, em busca do "very typical". Os grandes eventos, com destaque para a festa de passagem do ano ou provas desportivas no novo pavilhão Arena e no Autódromo Internacional do Algarve, são lufadas de ar fresco para a restauração e a hotelaria. "Cada vez que há provas no Autódromo, cafés, restaurantes, hotéis, tudo mexe, e trabalha bem", sustenta Manuel da Luz, sublinhando que "a área do imobiliário na zona do autódromo está a avançar, e bem". O estudo do Plano Estratégico de Marketing Territorial de Portimão assinala que o gasto médio de quem visita a localidade ronda os 100 euros/dia, um valor que considera "relativamente satisfatório", apontando como áreas de potencial crescimento o golfe, a náutica e os desportos motorizados. O deputado municipal Carlos Bicheiro, do PSD, contrariando a visão optimista do autarca, ironiza: "No Titanic, o barco estava a afundar-se e a orquestra continuava a tocar."

Alfredo Silva, de Lisboa, radicou-se em Portimão há seis anos, "quando a construção fervilhava" e a palavra crise ainda não tinha entrada no quotidiano. Montou uma loja de material eléctrico, tendo como clientes principais os promotores do imobiliário. "Nos últimos três anos, as vendas caíram 50 por cento", um número que, no seu entender, traduz o que se passa nos vários ramos de actividade. "As coisas estão paradas", enfatiza. A fase em que o sector da construção se encontra "devia ser aproveitada para pensar e reflectir no rumo que as coisas estavam a levar".
Rui, enfermeiro, natural da zona de Coimbra, trabalhou no hospital local desde 1979 até há dois anos, quando se reformou: "Podia voltar para a minha terra, mas prefiro estar aqui. Portimão é uma boa cidade para se viver." O TEMPO - Teatro Municipal de Portimão, inaugurado nove meses depois da abertura do museu, é outro dos equipamentos que imprimiu ritmo de mudança ao percurso que a cidade vinha seguindo nas últimas duas décadas. A remodelação e o equipamento do edifício do TEMPO, situado no centro da cidade, custaram nove milhões de euros. Na última sexta-feira, foi palco de um concerto de homenagem a José Saramago, pela Orquestra do Algarve. A cultura, como a crise, entrou definitivamente em Portimão, que voltou também a ir ao estádio de futebol do Portimonense, que regressou aos campos da I Liga. O clube tem tido pouco sucesso: era 15.º, ou seja penúltimo da classificação, apenas com duas vitórias. É um desempenho medíocre, mas garante mais atenção para a terra.

A mudança da imagem da cidade iniciou-se com o ex-presidente da câmara, Nuno Mergulhão, que perdeu a vida num acidente e a quem se deve o projecto de requalificação da zona ribeirinha de Portimão e de Alvor. Decorrida mais de uma década, o actual autarca, Manuel da Luz, quebra o silêncio sobre essa obra: "Acho que já posso contar a verdade." E a verdade, diz, tem a ver com a forma como foram conseguidos os milhões de euros necessários para transformar a degradada Baixa da cidade, virada para o rio Arade, num cartão de visita.

No final dos anos 90, o Algarve discutia a forma de encerrar mais de três dezenas de lixeiras a céu aberto. O então secretário de estado do Ambiente, José Sócrates, pressionava a Associação de Municípios do Algarve para encontrar locais onde pudesse construir dois aterros sanitários. Numa situação limite, conta Manuel da Luz, que então era vereador, Nuno Mergulhão voltou-se para Sócrates e disse: "Como o aterro [do Barlavento] não pode ir para Marrocos, eu encontro solução no meu concelho, mas ponho condições." Foi uma "decisão de grande risco", sustenta Manuel da Luz, na medida em que o assunto não tinha sido discutido e as populações se manifestavam contra esta infra-estrutura. "Mas foi uma boa decisão", observa.

Implodir a má herança

Mais tarde, já com José Sócrates a ministro do Ambiente, Manuel da Luz, entretanto eleito para a presidência em Portimão, bateu à porta da administração central para se candidatar à primeira geração do programa Polis. "Portimão já levou o que tinha a levar, e foi muito dinheiro", respondeu o então ministro, que não se deixou convencer. A seguir, a autarquia lançou-se na promoção do concelho através da realização de grandes eventos e da atracção de investidores. Nesse contexto, surge a discoteca de praia Sacha Beach. O projecto, protagonizado por Luís Evaristo - algarvio mediatizado através do chamado jet-set -, terminou, ao fim de quatro anos, com uma dívida de 700 mil euros à câmara. O município acabaria por considerar a conta saldada a troco do direito à marca e da exploração do apoio de praia/restaurante - estabelecimento que passou a ser gerido pela Escola de Hotelaria e Turismo.

Os blocos de apartamentos do Clube Praia da Rocha continuam a ser um dos "fantasmas" que ensombram o urbanismo nesta localidade. Qual a solução? "Se pudesse, mandava implodir", admite o autarca. Este foi o tipo de alojamento que o Algarve usou para competir com o massificado turismo do Sul de Espanha. Ironicamente, a Região de Turismo propagandeava na mesma altura que "Algarve é qualidade". Para a história ficou a imagem das vivendas da praia da Rocha, desaparecidas na voragem da especulação imobiliária. Do passado com traços aristocráticos na arquitectura resta o Hotel Bela Vista.O futuro de Portimão acontecerá à sombra de Faro ou em cima do seu próprio palco. O berço de Teixeira Gomes acredita que tem os trunfos certos. Resta saber manter-se em jogo.


Fonte: Público

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