Que relações existem entre dívida pública, prestação de contas e responsabilidade política? Todos assumimos um conhecimento implícito de que existe uma relação. Qual? Importa transportá-la para os planos do debate e discussão pública.
Em bom rigor, o político é um estratégico, ou pelo menos, devia sê-lo. Tem um programa apresentado ao eleitorado para ser avaliado pelos eleitores no fim do seu mandato. Pensa e age a médio-longo prazo; a anualização das contas é refractária ao seu pensamento. Assim, não lhe importa a eficiência anual da despesa e receita pública.
Porque cresce insustentavelmente a despesa pública? Dizia Descartes: se penso, logo existo! O Estado deixou de pensar. A ufana proclamação neoliberal de extinção sucessiva de muitos gabinetes de planeamento e estratégia estatais tiveram consequências: o sector público deixou de sistematizar e fazer. Não fazendo, deixou de aprender. Manda simplesmente fazer, pagando! Consequências? Laboratórios de poder, informação e conhecimento privados instalaram-se nos corredores da despesa pública, inventando, em seu proveito, obras, serviços e modelos de financiamento, que “dão nas vistas” eleitoralmente, mas exprimem uma relação custo-benefício ineficiente e prejudicial para a viabilidade do sistema público.
É necessária a existência de um contrapoder: um poder moderador ou sistémico, através de estruturas periciais qualificadas que avaliem e julguem a eficiência da despesa e da receita pública. O método comercial das partidas dobradas que regista simultaneamente débitos e créditos, tal como na Finlândia e na Noruega, deve ser estendido a toda a contabilidade pública, incluindo balanço anual entre activos e passivos. O activo público deve demonstrar que se fosse afecto a uma lógica de mercado produziria igual receita. Tal induz congruência e equilíbrio a ser certificado anualmente por auditorias cruzadas e estruturas independentes (administradores de falência, procuradores públicos e técnicos de contas) que assegurariam a viabilidade do endividamento público.
Importa modificar o regime da responsabilidade política no tocante à prestação de contas: um deve- haver não justificado por regras de eficiência torna o político inadequado para a função. Independentemente da responsabilidade criminal e inelegibilidade para funções políticas, administrativas e/ou de administração comercial. A credibilidade assenta no funcionamento de um sistema de responsabilização aplicado à prestação de contas dos titulares dos órgãos executivos, segundo regras processuais claras e que exprimem uma intervenção alimentada por perícias e cruzamento de informação de diversos sectores do Estado.
Por que razão os senhores da tróica não impuseram as boas práticas nesta matéria, por exemplo, dos países nórdicos em matéria de transparência e responsabilidade nas contas públicas? É caso para perguntar se o vão fazer agora com a “surpresa má” da Madeira? Que vai custar caro a todos nós, já o sabemos. Mas que sirva de lição para introduzir regras novas na Constituição sobre a matéria. O problema é saber se os políticos que temos se “elevam” com a dignidade suficiente para defender a viabilidade do sistema político.
O Governo deve dar sinais claros ao país que deve ir para um novo rumo: a renegociação da dívida deve assentar num compromisso sistémico, qual seja, que o pagamento da dívida compromete o Estado e os credores a converter parcialmente seus créditos em capital num cabaz e num índice de empresas promissoras ligadas, por exemplo, aos negócios verdes, assistência social, saúde e turismo, reduzindo simultaneamente a necessidade de procura de serviços públicos. A indexação de créditos a uma reestruturação e aposta nos sectores produtivos e inovadores seria o melhor sinal de confiança a construir um país mais eficiente, organizado e responsável.
Mais. Deve-se pensar numa relação orgânica mais intensa entre Ciência e Economia, ou seja, que o índice de marcas, modelos de utilidade industrial, patentes em percentagem do PIB e das exportações exprima uma produção nacional criativa e empreendedora geradora da confiança que precisamos junto dos nossos investidores para relançar a economia.
A complexidade dos temos que vivemos aconselha o recurso a uma engenharia política mais sofisticada que exprima capacidade de maiores equilíbrios sistémicos em questões fundamentais como contas, eficiência, e responsabilidade do exercício da função política. Desses equilíbrios depende o nosso futuro.
Virgílio Machado
Docente Universitário
virgilio.machado@empreenderturismo.pt
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