A luta do padre Arsénio, um jesuíta que também é locutor de rádio e operário.
A solidariedade pratica-se em Portimão, de forma anónima e sem subsídios governamentais, para enfrentar a fome que saiu da clandestinidade.
Rui, antigo camionista de transportes internacionais, faz parte do grupo dos que já tiveram "uma vida boa" e agora está a passar por dificuldades. "Temo uma explosão social, a barriga é má conselheira", avisa o padre Arsénio, que também é jornalista, locutor e operário. "É impressionante o apoio da população", diz, elogiando "os voluntários" que com ele colaboram nas acções sociais.
À saída da praia da Rocha, os automóveis formam fila a caminho dos restaurantes à hora do almoço. Na urbanização da Quinta do Amparo, a partir das 12h30, os utentes do centro social aproximam-se. Na recepção, um voluntário, advogado reformado, confere os nomes, previamente inscritos e referenciados pelos serviços sociais da autarquia. "Temos também dois empresários, ligados à construção civil", diz o colaborador, lembrando as "dificuldades" que se sente numa terra que prometia oportunidades no sector do imobiliário e turismo, e agora está a braços com os problemas sociais. Segundo a União dos Sindicatos, a partir de Setembro, a previsão é que perto de 30 por cento da população do Algarve fique sem trabalho.
Arsénio Castro da Silva, padre jesuíta, conhece a realidade do concelho, não apenas pela amostra dos que frequentam a Igreja Nossa Senhora do Amparo - sagrada em 1990 - mas por ser um militante das causas sociais: "Quis ser padre operário, transitoriamente, para conhecer a realidade."
A vontade levou-o a trabalhar durante mais de um ano para o porto de Portimão, a "descarregar peixe", há 34 anos. Agora, a saúde não lhe permite trabalhos esforçados, mas continua com uma energia contagiante. "Sou apenas o coordenador de uma vasta equipa de voluntários", enfatiza, recusando assumir o papel de protagonista de um projecto que permitiu a construção de uma igreja e de um centro social, com diversas valências e "sem subsídios", sublinha.
O refeitório funciona com uma equipa de duas dezenas de pessoas. O único vencimento é o da cozinheira, pago através de um contrato-programa estabelecido com a câmara municipal. E da parte da Segurança Social? "Não recebo um cêntimo", diz o padre. As ajudas chegam pela "força da palavra" no púlpito, mas também aos microfones da Rádio Costa d"Oiro - uma emissora local, de inspiração cristã, na qual o padre é, simultaneamente, director de programas e locutor. É ele quem faz o "despertar, entre as 7h30 e as 8h30, na frequência 106.5FM. Entre a leitura de poemas de Florbela Espanca, e a música de André Sardet, deixa a mensagem: "É preciso acreditar." Em declarações ao PÚBLICO, sintetiza: "Falo das coisas do quotidiano."
A cidade de Portimão está inundada de turistas, em Agosto. Porém, o movimento de viaturas nas estradas e nos centros comerciais, mascara a realidade da região. Pedro Silva, de 51 anos, vive na penumbra das luzes da ribalta. Após ter trabalhado ano e meio no Brasil, onde diz que se deu bem em termos profissionais, regressou a Portugal. "Tive saudades do meu filho", afirma. Não conseguiu trabalho na terra, Mafra, e por isso tentou o Algarve, mas também não teve sucesso. "Desde Janeiro que tento arranjar qualquer serviço", desabafa. A única refeição que tem garantido é o almoço no centro social. Padeiro de profissão, considera que, finalmente, poderá ter uma oportunidade numa padaria da Mexilhoeira. "Vou amanhã [ontem] ver o serviço."
No centro social, encontra-se com Rui, o antigo camionista de transportes internacionais. E descobrem afinidades. "Pertencemos aqui ao grupo dos que não passamos por problemas de drogas ou alcoolismo", diz o condutor, salientando ainda que passaram por um "processo de separação" familiar, mas não se deixaram abater: "Queremos trabalhar."
Na falta de melhor, dizem, "faz-se uns biscates". O antigo motorista fez uso dos conhecimentos profissionais. "Fui a Espanha levar uns ciganos, que iam para a apanha da fruta. Fui a conduzir o carro deles, porque não tinham carta de condução".
Cláudia Faustino é um caso especial. "Tenho de fazer 100 dias de trabalho comunitário no Grato (Grupo de Apoio a Toxicodependentes de Portimão)". A sentença é de um juiz. "Fui apanhada com uma faca de ponta e mola". Do currículo, destaca que tem 40 anos, e há 23 anos que é "consumidora" de droga. Encontra-se em fase de tratamento, "mas às vezes há recaídas". Na frente desta mulher, que fala mais do que come, Maria [nome fictício], de 36 anos, permanece em silêncio. Perdeu o trabalho na hotelaria, por causa de "uma infecção pulmonar", que lhe retira as forças. Tem um problema congénito: "Nasci com os órgãos trocados, coração e fígado". Há cerca de um ano, "surgiram as complicações". Uma das voluntárias do centro social aproxima-se e pergunta: "Então, como vão, minhas meninas?". Naquele espaço, mais do que a oferta do almoço, os colaboradores procuram "ouvir" o que outros têm para dizer, embora muitos não tenham vontade de falar. Maria apenas sorri. "Fala mulher", desafia Cláudia, acabando por deixar a sopa fria no prato.
Quando coloca os auscultadores e abre o microfone, a voz do Padre Arsénio ganha força e expressão: "Rádio Costa d"Oiro para todo o Barlavento, Baixo Alentejo - e online para todo o mundo", anuncia. Dirige a estação há 16 anos. Mas já no tempo das rádios piratas fazia rádio, acrescenta o religioso, que faz da arte de comunicar uma arma contra a indiferença. "Gosto de incomodar, no bom sentido, e a rádio é uma paixão", diz.
Fez tropa em Moçambique, contra a sua vontade: "Fui o último jesuíta, capelão militar em África, comigo acabaram as guerras coloniais, eu fechei a porta à guerra." Quando chegou a Portimão, após a descolonização fez a "comunhão com as pessoas", a descarregar peixe das traineiras, para se colocar ao mesmo nível. Logo começou a ser conhecido pelo "padre de esquerda".
A seguir, num armazém de uma antiga fábrica de peixe, celebra missa e trabalha junto das camadas mais desfavorecidas. Criou uma escola para as crianças ciganas. O Governo contribui com o pagamento de um professor, mas o projecto terminou: "Disseram que era discriminação, o Governo deixou de pagar ao professor". O que se pretendia, sublinha, "era precisamente a integração - as crianças ficavam sentadas no chão, o professor ensinava ao ar livre - respeitávamos a sua cultura", frisa. O actual sistema "mete todos os alunos juntos, não percebe que a aprendizagem é lenta e não pode ser forçada - isto agora é que é colonização".
Na missa, durante as homilias, "procuro interpelar - as questões tratadas lá por cima, muito teológicas, não agarram as pessoas", observa.
Por isso usa a rádio todos os dias para falar da vida local. Este mês tem trabalho acrescido. O único jornalista-colaborador está de férias, é o padre que, além de fazer programas, dirige a estação e também apresenta os noticiários.
Fonte: http://www.publico.pt/Local/a-luta-do-padre-arsenio-um-jesuita-que-tambem-e-locutor-de-radio-e-operario_1507540?all=1
Um trabalho a todos os títulos meritório que importa divulgar. Parabéns por o terem feito
ResponderEliminarSó pessoas como o Padre Arsénio conseguem chegar ao coração de cada pessoa que o procura um grande Homem que merece todo o nosso respeito pelo trabalho que tem desenvolvido na nossa comunidade.Bem haja .
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